O uso do caroço de açaí como combustível alternativo pela Votorantim Cimentos para produção de cimento em sua fábrica em Primavera, no Pará, demonstra como utilizar a biodiversidade no processo produtivo. Esse insumo da Floresta Amazônica substitui o carvão mineral no moinho de cru, cujo propósito é fazer a moagem das matérias-primas, e no forno para produção do clínquer, que representa o principal elemento do cimento. “Somos pioneiros nessa utilização. Ao chegar à Primavera, percebemos que o caroço do açaí era um desafio não somente nessa cidade como em várias outras do Pará, incluindo Belém. As próprias empresas de limpeza urbana não davam conta de recolhê-lo porque, por ser muito fibroso, havia um impacto nos caminhões de coleta”, explicou Fabio Cirilo, gerente de sustentabilidade e energia na Votorantim Cimentos, em painel realizado na EY House durante a COP30.
Ainda segundo o executivo, a consequência disso é que boa parte desse resíduo parava no leito dos rios, nas ruas, nos aterros, gerando, nesse último caso, metano ao ser incinerado. “Ao considerar o açaí, 85% dele é massa ou caroço e apenas 15% polpa, que é utilizada para produzir o alimento ou bebida”, disse. “Resolvemos de uma vez só dois desafios: a necessidade de combustível limpo para operar nosso forno e o problema dos municípios para lidar com o resíduo dos caroços de açaí”, completou.
Em relação a esse primeiro ponto, por se tratar de uma biomassa, o caroço de açaí como combustível contribui para a empresa reduzir a emissão de carbono na produção de cimento. “Estamos consumindo cerca de 50 mil toneladas de caroço de açaí por ano, o que traz como benefício a não emissão de cerca de 45 mil toneladas de carbono equivalente”, observou. Por meio de um processo chamado coprocessamento, a fábrica transforma os resíduos do fruto em energia térmica.
O coprocessamento consiste na substituição de combustíveis fósseis por resíduos em fornos para produção industrial. Somente no ano passado, 64,3% do combustível utilizado na fábrica de Primavera veio de resíduos. O coprocessamento gerou valor para a cadeia produtiva local, já que os produtores de açaí, que antes descartavam os caroços, passaram a comercializá-los, ampliando suas fontes de renda.
Biodiversidade da Amazônia
“Esse cimento que tem o caroço de açaí como combustível alternativo foi utilizado na construção da EY House aqui em Belém”, disse Ricardo Assumpção, líder de Sustentabilidade e CSO (Chief Sustainability Officer) da EY para América Latina. “A biodiversidade já está por trás de metade do PIB global, e o Brasil tem a maior biodiversidade do mundo. De acordo com o professor Carlos Nobre, uma árvore na Amazônia tem mais biodiversidade do que qualquer floresta inteira na Europa. Temos um enorme potencial.” Para o executivo, a biodiversidade deixou de ser uma pauta isolada ou acessória para estar no centro das estratégias de negócio. “Já são muitos os exemplos de como proteger e preservar a natureza fazendo nesse processo com que as empresas ganhem dinheiro”, finalizou.
Outro exemplo nesse sentido vem da Citrosuco, que está transformando pastos degradados em pomares regenerativos. “Esse movimento de plantio de pomares de laranjas nessas novas áreas vai fomentar a biodiversidade. No pasto degradado, há baixo estoque de carbono no solo com baixa retenção de água, o que prejudica nossa atividade”, afirmou Mario Melo, coordenador de Negócios e Clima na Citrosuco. Ele adicionou que esse é um dos pilares do programa de biodiversidade da empresa, que inclui também recuperação de APP (Área de Preservação Permanente) e reserva legal. “É um conjunto de ações que vai fomentar a biodiversidade ao longo dos anos, contribuindo para a remoção do carbono da atmosfera.”
Florestas em pé
Já David Canassa, diretor na Reservas Votorantim, destacou o Legado das Águas, maior reserva privada de Mata Atlântica do país com 31 mil hectares, que está localizada no interior de São Paulo. “Desde o início, o entendimento foi da necessidade de conservar a água, motivo pelo qual foram compradas todas as terras da bacia hidrográfica do Rio Juquiá. Ao pegar o mapa do Legado das Águas, a reserva segue exatamente o recorte da bacia hidrográfica. Isso supera qualquer requisito legal.” Empresa especializada em gestão de territórios e soluções baseadas na natureza para negócios tradicionais e da economia verde, a Reservas Votorantim está presente em quatro dos seis biomas brasileiros: Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal e Caatinga, gerindo mais de 130 mil hectares de áreas conservadas.
Por fim, Leandro Faria, gerente-geral de Sustentabilidade, Segurança e Meio Ambiente na CBA (Companhia Brasileira de Alumínio), observou que o alumínio brasileiro tem uma das menores pegadas de carbono do mundo por ser produzido com 90% de energia renovável. Esse metal contribui para ampliar a infraestrutura de energia limpa, já que está entre os insumos dos painéis solares e dos cabos elétricos.
“O alumínio da CBA é produzido em uma cadeia 100% verticalizada. São poucas empresas no mundo que produzem alumínio do início ao fim”, explicou. “A biodiversidade está entre nossos pilares de atuação, com programas que geram impacto positivo na floresta e redução do consumo de água no processo produtivo.” A EY House foi construída com perfis extrudados de alumínio de baixo carbono da CBA.
*Este texto faz parte da série “COP30: A sustentabilidade como valor de negócio”, com informações sobre os setores econômicos em destaque na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Leia as reportagens anteriores:
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